terça-feira, 4 de dezembro de 2012


              A QUESTÃO DA VIOLÊNCIA
                                               Francimar Moreira


A violência – tema que abordei dezenas de vezes no exercício do mandato de vereador (1983 a 1988), sempre alertando que seria uma chaga crescente, além de ser assunto a que também venho me reportando frequentemente, em artigos publicados no jornal O PROGRESSO – volta a assustar e estimular autoridades e setores organizados de Imperatriz a se reunirem para, conforme manifestação dos participantes, discutirem sobre suas causas e encaminhamento de sugestões de como coibi-la.
 Já participei de algumas dessas entediantes reuniões. Aborrecia-me, sobremaneira, o fato de os debatedores ficarem o tempo todo discutindo os reflexos adjacentes, periféricos. Ou, ainda, divagando sobre os seus malefícios menores, já que, das suas verdadeiras causas e da dimensão dos danos que provoca, fugia-se sempre, como, aliás, foge-se até hoje, tudo fazendo-nos crer que esse capítulo foi transformado, pelos que detêm poderes para tanto – em território proibido.    
A mais polêmica dessas reuniões, da qual participei como vereador, ocorreu em 1985 ou 1986. Foi idealizada pela OAB e estava presente o governador do Estado, Luís Coelho Rocha. Creio ter sido nesse encontro em que também se encontrava o jurista Márcio Tomaz Bastos. Era uma época em que a pistolagem corria à solta ou, como se dizia no jargão popular: “Todo dia matava-se um e deixava-se outro amarrado para morrer no dia seguinte!”. O encontro se deu no auditório do INPS, na Rua Simplício Moreira, e as polícias civil e militar de Imperatriz foram mobilizadas para proteger os participantes.
Fui àquele conclave em companhia de meu amigo e advogado Carlindo Carvalho do Rego, que, usando da palavra, bateu forte nos poderes constituídos. Nunca esqueci sua frase lapidar, proferida quando saíamos do local onde se deu o evento: “Até parece uma colônia de cracas! Ficam todos, o tempo todo, somente roendo a casca do madeiro, sem, no entanto, ter força ou coragem moral para penetrar o âmago!”.
Como teve coragem, pelo discurso, e razão, pela frase memorável, o meu velho amigo!...

Hoje, quase 30 anos depois, a ladainha é a mesma. E, apesar de tanto se falar que o mundo melhorou e que o Brasil tem experimentado enormes avanços no campo social e econômico, não se pode negar que o atraso político e sociocultural a que está submetido o Maranhão nos mantém arengando no mesmo nível de 30 anos atrás, pelo menos no que concerne à problemática da violência. Repete-se o mesmo velho e surrado discurso:
– Faltam policiais, delegados, viaturas, delegacias, promotores, juízes, presídios!...

Quanto equívoco!... Quanta enganação!... Como o ser humano gosta de enganar, às vezes, até a si mesmo. Na verdade, até sociólogos de botequim sabem que a violência que impera entre nós deriva, principalmente, de três causas. A primeira, uma pobreza crônica, tanto material como educacional. A segunda, a ausência de valores morais, que, é bom ser dito, resulta, em boa parte, dos exemplos nefastos que “celebridades” e autoridades, das mais diversas instituições praticam e são noticiados diariamente. A terceira, a incapacidade material, jurídica e moral do Estado Brasileiro para punir os seus delinquentes.

Ah, mais existem estudos “provando” que pobreza não é, por si só, fonte de violência!  – diria um ingênuo ou defensor da concentração de renda. Trata-se de uma falsa conclusão que somente pode ser atribuída a quem raciocinou escudado em também falsas premissas. É possível, ainda, que resulte de um trabalho sob encomenda dos perversos, com o objetivo de amainar suas culpas. Afinal, a ausência das condições mínimas à manutenção da vida já é, em si mesma, uma brutal violência!... 

Além do mais a tese em que se apegam os responsáveis pela miséria e sofrimento de bilhões de pessoas, em todo o mundo, para justificar suas posições reacionárias, resulta de levantamentos realizados em comunidades paupérrimas, que viviam ou vivem sob os auspícios de dogmas religiosos. Nesses casos a ilusão de que o sofrimento e a pobreza lhes trazem prioridade no reino do céu – onde seriam recompensadas por uma vida eterna cheia de glórias –, faz com que muitas pessoas sejam, sim, induzidas a renunciar à ideia de uma vida confortável...       

Hoje, entretanto, o povo começa a ter consciência de que os que lhe pregam e exigem resignação se aproveitam de sua ingenuidade e força de trabalho para construir seus paraísos aqui na Terra mesmo... Sabe ainda que, se submetessem as quase 5600 prefeituras do Brasil a auditorias, realizadas de forma correta, em poucas delas não seriam encontrados ilícitos que levariam seus respectivos prefeitos e a maioria do secretariado para a cadeia, caso a lei fosse cumprida.   

O mesmo raciocínio vale para todo e qualquer órgão público deste País cuja direção esteja sob a orientação político-partidária. Em assim sendo, é fácil concluir que, se resolverem colocar na cadeia os delinquentes, serão necessários tantos policiais, guardas penitenciários, delegados, escrivães, promotores, juízes, presídios... que a minoria que ficasse fora do serviço público e da cadeia, condenada, portanto, a trabalhar para sustentar a máquina estatal e produzir alimento para prisioneiros, agentes públicos e outros, logo, se rebelaria, entraria em greve e todos nós morreríamos de fome por falta de alimento. 

Diante desse quadro dantesco, aos políticos, resta continuar fingindo preocupação, tapear o povo com futilidades e conversa fiada, fazer de adversários, aliados ocasionais, por meio da corrupção, e empurrar as complexas questões que nos afligem para o dia de São Nunca. No antigo Egito e na civilizada Europa, o “pau” começou a quebrar; e como a utopia socialista, que seria a “salvação” das massas, foi postergada, o pretexto próximo será outro. Entretanto, os meios empregados serão os mesmos e a finalidade será a de sempre: uma sociedade justa, na qual ladrões dos cofres públicos tenham os bens confiscados e sejam punidos com rigor.

O diabo é que somente ensinaram nossos ancestrais a temer a fúria dos céus e os caldeirões dos infernos, e se esqueceram de alertá-los sobre a ira das massas enfurecidas. Por conseguinte, não herdamos os condicionamentos necessários para temer, também, as consequências da fúria popular. É por isso que se estimula o aumento de contingentes populacionais, através dos meios de difusão em geral, e depois o abandonamos em estado de miséria crônica, vivendo piores do que ratos, na mais absoluta e pungente degradação da espécie animal.  

Ora, foi divulgado várias vezes, durante o ano de 2011, que o Maranhão tem quase 15% de sua população vegetando no mais absoluto nível de pobreza, chegando, inclusive, a níveis que às vezes ultrapassa as mais famintas republiquetas africanas. A pergunta que precisa ser respondida é a seguinte: – Para quem vegeta, em condições tão animalescas, faz diferença estar preso ou em liberdade? Ou, ainda, matar ou morrer?!...

Atente-se para essa grave contradição: quase um milhão de maranhenses passa fome, enquanto os meios de comunicação, de forma perversa e obscena, estimulam o consumo, exibem riqueza, luxo, muita roubalheira aos cofres do Erário, além de uma classe política que desfruta um permanente deleite à custa do contribuinte. Pretender-se harmonia e paz social, diante de tantas aberrações, apenas aumentando o aparato policial e o número de presos, é a mesma coisa que pretender apagar incêndio usando nos extintores um produto inflamável!...

De profeta, não tenho absolutamente nada! Mas a miséria e a violência no Maranhão somente começarão a declinar, após, pelo menos, dez anos de governos competentes e comprometidos com as futuras gerações. E somente competência e compromisso não bastam, é preciso, também, punições mais rigorosas para delinquentes, principalmente ladrões dos cofres públicos, além de honestidade e ações rigorosas dos Poderes constituídos.

É preciso, ainda, por exemplo, acabar com as filigranas jurídicas que permitem a grandes ladrões se safarem da cadeia!... E também não permitir que sócios e amigos do rei deixem de pagar seus impostos!... Enquanto uns poucos gozarem de tais regalias, que, em última análise, significam estúpidas e aviltantes violências praticadas pelo estado contra a esmagadora maioria do povo, alguns segmentos sociais haverão de responder com mais pobreza e violência crescente.


                                Imperatriz, 25 de fevereiro de 2012.    

 
   

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