UMA ALDEIA OPRIMIDA
Francimar
Moreira
Não
foi na idade média, e muito menos na era pré-histórica, que ela existiu. A
opressão de que falamos atravessou os séculos e sobrevive reinando altaneira e
com a mais absoluta desenvoltura, a despeito da revolução francesa, da Declaração
Universal dos Direitos Humanos e de todas as lutas em que estiveram envolvidos bravos
combatentes que deram a própria vida na tentativa de libertar o homem dos grilhões
opressores.
Não foi implantada a ferro e fogo nem
sustentada a baionetas ou câmaras de torturas, como é comum acontecer, apesar
de conviver com fogo e chumbo. A maldita, à qual nos referimos, é fruto de uma
histórica e longeva dominação que tem na ignorância e covardia dos que se
deixam dominar e na absoluta ausência de escrúpulos dos vilões opressores, o amálgama
que alimenta, ampara e robustece a malfazeja.
Não
foi por falta de aviso ou denúncia, porquanto não somente o padre Antonio Vieira – um dos mais argutos
e festejados homens que habitaram essa Aldeia – denunciou reiteradamente,
com destemor e determinação, os horrores de seu tempo, como Jesus Cristo, o mensageiro-mor
da fraternidade, em uma sábia e antológica advertência, proclamou: “Bando de
víboras; que coam mosquitos, mas engolem elefantes!”.
Não
foi por falta de indignação e rebeldia,
visto que muitos já manifestaram o seu mais firme e contundente repúdio, e até
pegaram em armas, na tentativa vã de remover essa vilania que oprime a Aldeia e
mantém escravizados alguns milhões de seres humanos. Faltou, sim, infelizmente, que um número maior
de pessoas compreendesse a dimensão da sordidez e tivesse coragem moral de
também se rebelar contra o seu caráter obsceno.
Não
foi denunciado a contento?... Foi. Porquanto homens extraordinários arriscaram
a própria vida, fazendo isso. Como
foi o caso do admirável professor João Parsondas de Carvalho, que – rompendo
distâncias na escuridão de noites taciturnas sobre o lombo de animais, em canoas,
a pé e até nadando sobre as águas barrentas de rios caudalosos –
enfrentou sacrifícios atrozes para
denunciar a barbárie praticada no seu tempo.
Não
houve tantas vítimas e rios de sangue derramado, em quantidade suficiente, para
que o mundo inteiro fosse sensibilizado pela infâmia que de fato tem ocorrido
nessa Aldeia aviltada? É certo
que houve. Vítimas nunca
faltaram. É só verificar o sofrimento do povo, ou ler as páginas d’A GIERRA DO
LEDA – da lavra do fantástico Parsondas de Carvalho –, que serão encontrados
relatos chocantes sobre as atrocidades praticadas naquela época.
Não
foi falta de gritos e ranger de dentes, que ecoassem mundo afora, despertando
os que vivem nos palácios, ou ser ouvidos pelos defensores de plantão da causa
dos oprimidos? Não. Não foi isso. O próprio Parsondas de Carvalho, com maestria e coragem, descreveu sobre os
gritos de crianças, mulheres e anciões desesperados, diante das atrocidades
cometidas pelos capangas do governador-tirano, Benedito Leite.
Não faltou, então, um levante popular, uma
revolução, ou mesmo um governo comprometido com a maioria do povo dessa Aldeia,
que, de fato, governasse para todos?!...
È lógico que faltou. Os sucessivos governos colocaram-se, reiteradamente, ao
lado dos opressores e governaram para os aliados políticos, apoiadores e sócios.
A maioria do povo apenas foi usada para legitimar o poder por meio do voto de
cabresto.
Não
existem nefastas consequências
sociais e econômicas diante desse vilipêndio?... Os índices negativos, a alta concentração
de renda, a pobreza extrema..., os pequenos e médios comerciantes
apelando para o contrabando e produtos
roubados, ou vendo seus meios de sobrevivência desaparecer, porque não têm como
concorrer com os protegidos ou sócios dos chefes da Aldeia, falam por si. E por
fim: “A violência filha da outra” – como diria Chico Buarque de Holanda –, é
retroalimentada pelos vermes da iniquidade que reina.
Não
existe esperança de mudar essa esdrúxula e humilhante situação que tanto sofrimento e vergonha causam aos
habitantes dessa Aldeia? Existe, sim. Após séculos de submissão e
barbárie, os detentores do direito de votar resolveram mudar a principal
liderança do lugar. E esta, vencido 1/12 avos do primeiro ano de governo, não
somente tem se havido com absoluta competência, como sinaliza que haverá novos
tempos.
Não
existe perigo de retrocesso? Ameaças
sempre estarão rondando!... Mas o novo timoneiro da Aldeia compreendeu que se
fazia necessário realizar mudanças que sinalizassem que as coisas tomariam
novos rumos. Isso ocorrendo, os seus habitantes, esperançosos de que virá um
novo tempo, encarregar-se-ão de formar o escudo protetor necessário para
resistir às tentativas de golpes – qualquer que seja a sua natureza.
Não haverá conspiração, ainda que a médio ou
longo prazo? Sim. Ela sempre existirá e já deve estar havendo. Os que se
acostumaram sugar nas tetas da Aldeia não vão desistir facilmente de tentar
tê-las novamente ao alcance da boca. No entanto, basta o novo comando criar a
expectativa de que a maioria dos antes subjugados vislumbre a possibilidade de
ver suas vidas melhorarem, para que o escudo protetor de que falamos se
fortaleça e impossibilite que os conspiradores tenham sucesso em sua pretensão.
.
Amém!