MIOPIA E DEMAGOGIA
Francimar
Moreira
Foi aprovado,
na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, um projeto que
reduz a jornada de trabalho no Brasil para quarenta horas semanais. Considerando-se
o que vem ocorrendo em todo o mundo, em matéria de desequilíbrios nos orçamentos
oficiais, tal medida pode ser altamente prejudicial ao nosso desenvolvimento. Sobretudo
porque ainda somos um País em desenvolvimento e com enorme carência de mão de
obra qualificada – fatos que nos aconselham o aproveitamento máximo da força de
trabalho de que dispomos.
Ora, os países
que têm batido recordes em desenvolvimento o fizeram investindo, prioritariamente, em educação, pesquisas e trabalhando duro. E quem
tem conhecimento disso, não pode concordar com tamanha contradição, ou tão absurda
iniciativa. Sobretudo porque somos um País ainda em construção, onde faltam
estradas, viadutos, hospitais, moradias, serviços de esgotos, água encanada e
tantas outras coisas que, para construí-las, faz-se necessário maximizar o
aproveitamento da força de trabalho que dispomos.
Como se sabe,
o objetivo dos que apoiam tal proposta é, tão somente, flertar com a classe
operária. Por isso, espera-se que prevaleça, na hora da decisão final, a lucidez
dos que votam com o bom senso e a razão, e não a demagogia vulgar e o interesse
meramente eleitoreiro. Até porque, não é difícil adivinhar o que ocorrerá, caso
o descanso semanal comece sexta-feira: as farras serão muito mais longas, o
consumo de bebidas alcoólicas maior, o número de acidentes no trânsito aumentará
muito, a despesa com os acidentados crescerá enormemente. Enfim, é uma ideia
extravagante.
As pessoas
dotadas de raciocínio lógico e isentas estão cansadas de saber que as desigualdades
sociais, o infortúnio da classe operária e nossas principais mazelas nada têm a
ver com a carga horária oficial adotada no Brasil. Mas provêm de um conjunto de
fatores e artifícios, criados e sustentados pelas elites dominantes, que lhes
garantem o poder de manipulação de tudo e de todos. Têm, inclusive, absoluta clareza
de que o caminho para a melhoria da qualidade de vida não é nem será jamais, a
simplória redução da jornada de trabalho. Sobretudo, sabem que é falsa a ideia
de que o operariado se beneficia com a redução da carga horária.
Ao contrário
dos que aprovaram tal projeto, penso que, num País novo e ainda atrasado como o
Brasil, onde falta muito para ser construído, o caminho inverso, ou seja, o estabelecimento de um pacto pelo fim dos feriados
e feriadões seria uma medida muito mais sensata e profícua. Desde que, é claro,
o aumento de horas trabalhadas e da produção resultasse também em ampliação da
massa salarial e outros benefícios para a classe trabalhadora. É isso, sim, o
que me parece ajustar-se melhor à nossa realidade econômica e sociocultural.
É difícil acreditar que alguém possa estar falando sério
quando propõe tornar melhor a vida do trabalhador e do povo brasileiro através
de uma medida que, simplesmente, reduza trabalho e esforço! É impossível não desconfiar
de que estejam blefando, de que tudo não passe de encenação! Principalmente porque
não se concebe que cheguem ao Congresso Nacional pessoas desprovidas de
conhecimento, a ponto de não saberem que a redução da jornada de trabalho
implica, necessariamente, em aumento de custo da produção, o que será, é
lógico, repassado aos consumidores e, como todos sabem, os trabalhadores constituem
o maior grupo de consumidores do Brasil.
Mas a redução
da carga horária não implica, somente, o encarecimento dos custos de produção,
o que, por si só, já seria motivo para detidas avaliações. Existe, ainda, o fato
de que onera os produtos destinados à exportação, o
que é muito relevante, principalmente, no que se refere à política de geração
de emprego e renda. É lógico que a elevação de custos torna o País menos
competitivo no mercado internacional e já se sabe quais são as conseqüências. E
não é de bom alvitre deixar de prestar atenção no que vem acontecendo num país
chamado China, onde um modelo político centrado na força concede uma relativa
liberdade empreendedora, e vem surpreendendo em crescimento econômico.
Se não
quisermos acreditar que o hábito de fingir, mentir e recorrer à demagogia, que os
políticos praticam trivialmente, acabe se incorporando à personalidade deles e contribuindo
para ofuscar a mais nítida verdade que se lhes apresenta diante dos olhos ou da
consciência, que pelo menos se reconheça que a opção que fazem por assim
proceder resulta do fato de saberem que o povo deseja, inconscientemente, que lhe
enganem sempre. Afinal, a verdade pode causar uma dor repentina e aguda, enquanto
a enganação se vai percebendo aos poucos e, também lentamente, se vai dissipando
o seu impacto negativo.
Creio que se
saísse por aí um pesquisador perguntando a qualquer trabalhador:
– Você
gostaria que sua carga horária semanal fosse reduzida
para quarenta horas, mesmo sabendo que as quatro horas que outro vai trabalhar
em seu lugar serão pagas por você, através de aumento de preços dos produtos
que você vai consumir?... A resposta seria um retumbante “Não”. Isso,
excetuando-se a informação sobre os riscos à competitividade externa e, por
consequência, à manutenção do próprio emprego.
Existem,
ainda, outras vertentes da causa trabalhista e social que precisam ser consideradas
com isenção: primeira, o trabalho deve ser visto como um direito pessoal e um dever
para com a sociedade e o estado; segunda, é preciso desmistificar a ideia de
que trabalhar é algo muito penoso, motivo de um eterno proselitismo em nome da
classe trabalhadora, por seus pseudodefensores; terceira, está faltando
trabalhadores (qualificados ou não), ajudantes, carpinteiros, pedreiros, operadores
diversos, engenheiros, médicos, cientistas e outros, e para suprir essa carência
só existe uma solução, em curto prazo: maximizar o aproveitamento da força de
trabalho de que dispomos
Na verdade, trabalhar é uma necessidade física e psíquica,
além de financeira, é lógico. E, ao invés de estarem propondo a diminuição da carga
horária, deviam flexibilizar o contrato de trabalho, criando oportunidades mais
flexíveis, a contratantes e contratados, de comprarem ou venderem as horas de
trabalho de que precisam ou dispõem. Também seria-bem vinda uma compensação
para os estudantes que sejam obrigados a trabalhar. Não à custa do empregador,
é natural, mas através de bônus do Tesouro ou de desconto em tributos a serem
pagos. Afinal, é flagrante a necessidade de um operariado mais bem qualificado
– e o caminho é a sala de aula.
E mais: o consumo de bebidas alcoólicas está virando uma
epidemia. Bebe-se para fugir do ócio, bebe-se porque faz parte, bebe-se porque
virou moda, bebe-se porque outros bebem, bebe-se por dependência... Enfim,
consome-se droga como se fosse uma necessidade para a sobrevivência... Sabe-se,
inclusive, que o alcoolismo e o consumo de outras drogas estão se transformando
em um sério problema de saúde pública que pode se agravar!...
Assim sendo, a ideia de liberar a moçada na sexta-feira
significa um final de semana mais longo e, um maior consumo de drogas. O que afetaria
a produção e o desenvolvimento, além de contribuir para encher os hospitais de alcoólatras
e acidentados. Seria muito bom se todos tivessem consciência sobre de onde saem
os recursos para a saúde pública! Assim, talvez, o fingir-se de míope não
rendesse tanto sucesso e a demagogia dos politiqueiros não fosse vista como prenúncio
de benefícios às massas inconseqüentes.
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