A QUESTÃO DA VIOLÊNCIA
Francimar
Moreira
A violência – tema que abordei dezenas
de vezes no exercício do mandato de vereador (1983 a 1988), sempre alertando
que seria uma chaga crescente, além de ser assunto a que também venho me
reportando frequentemente, em artigos publicados no jornal O PROGRESSO – volta
a assustar e estimular autoridades e setores organizados de Imperatriz a se
reunirem para, conforme manifestação dos participantes, discutirem sobre suas
causas e encaminhamento de sugestões de como coibi-la.
Já participei de algumas dessas entediantes
reuniões. Aborrecia-me, sobremaneira, o fato de os debatedores ficarem o tempo
todo discutindo os reflexos adjacentes, periféricos. Ou, ainda, divagando sobre
os seus malefícios menores, já que, das suas verdadeiras causas e da dimensão
dos danos que provoca, fugia-se sempre, como, aliás, foge-se até hoje, tudo
fazendo-nos crer que esse capítulo foi transformado, pelos que detêm poderes
para tanto – em território proibido.
A mais polêmica dessas reuniões, da qual
participei como vereador, ocorreu em 1985 ou 1986. Foi idealizada pela OAB e estava
presente o governador do Estado, Luís Coelho Rocha. Creio ter sido nesse
encontro em que também se encontrava o jurista Márcio Tomaz Bastos. Era uma
época em que a pistolagem corria à solta ou, como se dizia no jargão popular: “Todo dia matava-se um e deixava-se outro
amarrado para morrer no dia seguinte!”. O encontro se deu no auditório do INPS,
na Rua Simplício Moreira, e as polícias civil e militar de Imperatriz foram
mobilizadas para proteger os participantes.
Fui àquele conclave em companhia
de meu amigo e advogado Carlindo Carvalho do Rego, que, usando da palavra,
bateu forte nos poderes constituídos. Nunca esqueci sua frase lapidar,
proferida quando saíamos do local onde se deu o evento: “Até parece uma colônia de cracas! Ficam todos, o tempo todo, somente
roendo a casca do madeiro, sem, no entanto, ter força ou coragem moral para
penetrar o âmago!”.
– Como teve coragem, pelo discurso, e razão, pela frase memorável, o meu
velho amigo!...
Hoje,
quase 30 anos depois, a ladainha é a mesma. E, apesar de tanto se falar que o
mundo melhorou e que o Brasil tem experimentado enormes avanços no campo social
e econômico, não se pode negar que o atraso político e sociocultural a que está
submetido o Maranhão nos mantém arengando no mesmo nível de 30 anos atrás, pelo
menos no que concerne à problemática da violência. Repete-se o mesmo velho e
surrado discurso:
– Faltam policiais, delegados, viaturas,
delegacias, promotores, juízes, presídios!...
Quanto equívoco!... Quanta
enganação!... Como o ser humano gosta de enganar, às vezes, até a si mesmo. Na
verdade, até sociólogos de botequim sabem que a violência que impera entre nós
deriva, principalmente, de três causas. A primeira, uma pobreza crônica, tanto material
como educacional. A segunda, a ausência de valores morais, que, é bom ser dito,
resulta, em boa parte, dos exemplos nefastos que “celebridades” e autoridades,
das mais diversas instituições praticam e são noticiados diariamente. A
terceira, a incapacidade material, jurídica e moral do Estado Brasileiro para
punir os seus delinquentes.
Ah, mais existem estudos “provando” que pobreza não é, por si só, fonte de violência! – diria um ingênuo ou defensor da concentração
de renda. Trata-se de uma falsa conclusão que somente pode ser atribuída a quem
raciocinou escudado em também falsas premissas. É possível, ainda, que resulte
de um trabalho sob encomenda dos perversos, com o objetivo de amainar suas
culpas. Afinal, a ausência das condições mínimas à manutenção da vida já é, em
si mesma, uma brutal violência!...
Além do mais a tese em que se apegam os responsáveis pela miséria
e sofrimento de bilhões de pessoas, em todo o mundo, para justificar suas
posições reacionárias, resulta de levantamentos realizados em comunidades
paupérrimas, que viviam ou vivem sob os auspícios de dogmas religiosos. Nesses
casos a ilusão de que o sofrimento e a pobreza lhes trazem prioridade no reino
do céu – onde seriam recompensadas por uma vida eterna cheia de glórias –, faz
com que muitas pessoas sejam, sim, induzidas a renunciar à ideia de uma vida
confortável...
Hoje, entretanto, o povo começa a ter consciência de que os que
lhe pregam e exigem resignação se aproveitam de sua ingenuidade e força de
trabalho para construir seus paraísos aqui na Terra mesmo... Sabe ainda que, se
submetessem as quase 5600 prefeituras do Brasil a auditorias, realizadas de forma
correta, em poucas delas não seriam encontrados ilícitos que levariam seus
respectivos prefeitos e a maioria do secretariado para a cadeia, caso a lei
fosse cumprida.
O
mesmo raciocínio vale para todo e qualquer órgão
público deste País cuja direção esteja sob a orientação político-partidária.
Em assim sendo, é fácil concluir que, se resolverem colocar na cadeia os
delinquentes, serão necessários tantos policiais, guardas penitenciários,
delegados, escrivães, promotores, juízes, presídios... que a minoria que
ficasse fora do serviço público e da cadeia, condenada, portanto, a trabalhar
para sustentar a máquina estatal e produzir alimento para prisioneiros, agentes
públicos e outros, logo, se rebelaria, entraria em greve e todos nós morreríamos
de fome por falta de alimento.
Diante
desse quadro dantesco, aos políticos, resta continuar fingindo preocupação,
tapear o povo com futilidades e conversa fiada, fazer de adversários, aliados
ocasionais, por meio da corrupção, e empurrar as complexas questões que nos
afligem para o dia de São Nunca. No
antigo Egito e na civilizada Europa, o “pau” começou a quebrar; e como a utopia
socialista, que seria a “salvação” das massas, foi postergada, o pretexto próximo
será outro. Entretanto, os meios empregados serão os mesmos e a finalidade será
a de sempre: uma sociedade justa, na qual ladrões dos cofres públicos tenham os
bens confiscados e sejam punidos com rigor.
O
diabo é que somente ensinaram nossos ancestrais a temer a fúria dos céus e os
caldeirões dos infernos, e se esqueceram de alertá-los sobre a ira das massas
enfurecidas. Por conseguinte, não herdamos os condicionamentos necessários para
temer, também, as consequências da fúria popular. É por isso que se estimula o
aumento de contingentes populacionais, através dos meios de difusão em geral, e
depois o abandonamos em estado de miséria crônica, vivendo piores do que ratos,
na mais absoluta e pungente degradação da espécie animal.
Ora,
foi divulgado várias vezes, durante o ano de 2011, que o Maranhão tem quase 15%
de sua população vegetando no mais absoluto nível de pobreza, chegando,
inclusive, a níveis que às vezes ultrapassa as mais famintas republiquetas
africanas. A pergunta que precisa ser respondida é a seguinte: – Para quem
vegeta, em condições tão animalescas, faz diferença estar preso ou em liberdade?
Ou, ainda, matar ou morrer?!...
Atente-se
para essa grave contradição: quase um milhão de maranhenses passa fome, enquanto
os meios de comunicação, de forma perversa e obscena, estimulam o consumo, exibem
riqueza, luxo, muita roubalheira aos cofres do Erário, além de uma classe
política que desfruta um permanente deleite à custa do contribuinte.
Pretender-se harmonia e paz social, diante de tantas aberrações, apenas
aumentando o aparato policial e o número de presos, é a mesma coisa que
pretender apagar incêndio usando nos extintores um produto inflamável!...
De
profeta, não tenho absolutamente nada! Mas a miséria e a violência no Maranhão
somente começarão a declinar, após, pelo menos, dez anos de governos
competentes e comprometidos com as futuras gerações. E somente competência e
compromisso não bastam, é preciso, também, punições mais rigorosas para delinquentes,
principalmente ladrões dos cofres públicos, além de honestidade e ações rigorosas
dos Poderes constituídos.
É
preciso, ainda, por exemplo, acabar com as filigranas
jurídicas que permitem a grandes ladrões se safarem da cadeia!... E
também não permitir que sócios e amigos do rei deixem de pagar seus impostos!...
Enquanto uns poucos gozarem de tais regalias, que, em última análise,
significam estúpidas e aviltantes violências praticadas pelo estado contra a esmagadora
maioria do povo, alguns segmentos sociais haverão de responder com mais pobreza
e violência crescente.
Imperatriz, 25 de fevereiro
de 2012.
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