É IGNORÂNCIA OU CINISMO
Francimar Moreira
Imagine-se uma comunidade
humana qualquer, onde as leis e as instituições funcionam ao sabor da vontade
comezinha de quem pode mais!... Seria o caso de um país onde se edita dezenas
de normas diariamente e, a maioria delas, com o inescrupuloso e pervertido propósito
de atender a interesses pessoais ou grupais de detentores de privilégios.
Imagine-se que esse conjunto
de pessoas já atingiu um grau de organização de tal forma sofisticado que lhes
permite ostentar, à guisa das nações modernas, um organograma governamental e administrativo
– com Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e outras instituições que,
pelo menos teoricamente, lhes dá status
de sociedade civilizada.
Imagine-se que, influenciada
pela modernidade, ou, imitando o que já ocorre em outras nações, até já
definiu, essa sociedade aqui em discussão, a democracia como regime de governo; o republicanismo, como
doutrina política basilar; e eleições, chamadas livres e diretas, como
forma de escolher governantes e outros detentores de mandatos eletivos.
Imagine-se que, corroborando com o ideal civilizatório vigente entre
povos mais desenvolvidos, a comunidade em questão já aderiu a tratados
internacionais que definiram normas educadas de convivência coletiva e até
estabeleceu, também, teoricamente, o seu pacto de um modus vivendi guiado
pelos princípios da ética e da civilidade.
Imagine-se que, em sintonia com
os princípios democráticos e procurando simular o ideário iluminista, essa
nação, até já deliberou o seu organograma de governança, em harmonia com a pós-modernidade, o qual
se divide em poderes autônomos, harmônicos e “independentes” entre si –
conforme proclama sua Carta Magna, de forma solene.
Imagine-se que, segundo apregoam, essa sociedade vive em plena
democracia e o seu mais longo período de estabilidade política, sem que nenhum
motim ameace o seu equilíbrio. Todavia, de fato, o que há é um simulacro de
normalidade, a sustentar-se na ignorância da maioria de seu povo e no cinismo
da classe política que, respectivamente, não se apercebem o quanto são vítimas
e protagonistas de abissais contradições.
Imagine-se o Poder Legislativo, que em princípio é o primeiro e mais
importante Poder de uma República, e cuja função é legislar, fiscalizar,
investigar e defender os interesses coletivos, sendo, porém, cooptado pelo Executivo,
através de um pacto amoral, em troca da esdrúxula figura das “emendas
orçamentárias” que, sem rodeio, mandou a chamada harmonia e a independência
entre esses poderes para o nono círculo do inferno.
Imagine-se a necessidade de autonomia do Judiciário – que tem a sublime
missão de julgar –, em relação aos demais Poderes! Apesar disso, sabe-se, há
muito tempo, que a ascensão aos Tribunais Superiores é maculada por caracteres ilegítimos,
não republicanos. E, é lógico: interferências indesejadas nesse processo maculam
o rito da escolha e impede a prevalência da meritocracia – absolutamente necessárias
a uma Justiça isenta.
Imaginem-se os mais torpes conluios sendo maquinados nos ornamentados porões dos poderes, em um país cuja mais temível ameaça
brota da falta de caráter de seus agentes públicos. Aliás, um país que – segundo
se canta em versos e prosas – vive um de seus melhores momentos de progresso econômico,
e que, inclusive, navegaria em águas brandas e de forma auspiciosa – rumo ao
desenvolvimento político, econômico e social.
Imagine-se o grau de indecência que ocorre na escolha de governantes e
representantes legislativos nessa comunidade! Porém, mais grave do que eleições
manipuladas à sorrelfa, é a infâmia que significa um pretendente a uma vaga no
Supremo Tribunal Federal – STF, ter amigos fazendo lobby, andar cabalando
apoios e, até comprometendo suas futuras decisões, em casos que chegassem
àquela Corte – conforme denunciado recentemente.
Imaginem-se interessados em ser indicados para a mais alta instância do
Poder Judiciário de um país rogando apoio de quem tem graves acusações correndo
contra si naquela Corte!... Fica até difícil de avaliar-se qual é a maior depravação,
se a súplica de apoios e votos pelos pretendentes sem escrúpulos, ou se o fato
de alguém envolvido em crime possuir, ainda que transitório, o poder de influência
sobre a indicação pretendida.
Imaginem-se acordos urdidos, em cochichos, entre criminosos que detêm
poderes para indicar quem vai julgá-los, e candidatos a julgadores dispostos a
entregar a própria alma em troca do cargo!... Na melhor das hipóteses, somente
pode resultar na mais putrefacta violação dos sagrados princípios da
legitimidade e da lógica, as quais, de forma axiomática, são definidas como
pilastras da moderna civilidade.
Imagino, aliás, e disso estou convencido, que já passou da hora de uma
verdadeira reforma do Poder Judiciário desse país, na qual seja contemplado o
mérito e o tempo de serviço, para efeito de promoção, e, a ascensão aos Tribunais
Superiores seja quase exclusividade de integrantes do próprio Judiciário, através
de votações de seus pares, com aprovação pelo Senado e nomeação pelo (a) Presidente
da República.
Imagino, no entanto, que na composição das cortes superiores do Poder Judiciário
são, sim, valiosas as reservas de duas vagas: uma para o Ministério Público e
outra para a OAB. A interação dessas duas significativas instituições, através
de seus representantes, com os Tribunais Superiores tem, de fato, enorme
significação: seja simbólica, empírica, jurídica e científica. A escolha dar-se-ia pelo mesmo critério dos
demais integrantes da Corte.
Imagino, finalmente, que leis duradoras e equânimes, que pautem as reais
necessidades de um estado comprometido com os fundamentos que sustentam as
pilastras da pós-modernidade, somente se instalariam se erguidas sobre a égide
de uma nova Constituição. A qual viesse a ser produzida por um colegiado de
notáveis, indicados exclusivamente para essa finalidade. Pensar que possa
brotar da lavra de políticos carreiristas, como os que ascendem ao Poder no
Brasil – É IGNORÂNCIA OU CINISMO.
Imperatriz,
20 de maio de 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário