domingo, 6 de setembro de 2015

                  UM GIRO PELO MEU NORDESTE - IV
      Fancimar Moreira

Em principio, a viagem estava marcada para o dia 28 de agosto de 2015, porquanto desejávamos participar, no dia seguinte, do aniversário de CEM ANOS de dona Maria Rosa de Macedo, a Maria do Zé, como era conhecida a ex-namorada de meu tio Manoel Moreira de Oliveira e grande amiga de infância de minha mãe. Embora a finalidade da turnê fosse visitar o tio Miguel que parecia viver sua agonia final. 
Ocorreu, porém, que no dia 21 de agosto, às seis horas da manhã, o Valdimar ligou-me informando que nosso tio passava muito mal e devia estar vivendo os seus últimos momentos. Decidimos, então, antecipar a excursão e, após organizarmos o que devia..., saímos com destino ao nosso inesquecível Ceará. Fomos, ao todo, quatro companheiros: Valdimar, Gesual, nosso sobrinho Alan e o autor deste texto.   
Foi uma viagem tranqüila. Valdimar e Alan se revezavam na direção do carro, enquanto o Gesual e eu contemplávamos a paisagem desolada do sertão castigado pela seca impiedosa, que se impõe como um castigo, e para a qual a ciência não deve encontrar solução. Afinal de contas, o volume d’água é finito, enquanto o potencial de consumo e destruição dos seres vivos parece não ter limite.
A dúvida pungente, entretanto é: quem sucumbirá por derradeiro, deixando este Planeta – antes povoado por bilhões de espécies vivas, das quais mais de noventa e nove por cento já pereceram – transformado em mais um deserto inabitável, vagando no espaço sideral, povoado apenas por pedras, esqueletos humanos e de árvores ressequidas – a última molécula de água, ou o último vestígio de vida?!...  
Deixemos, porém, de especular sobre o que inevitavelmente ocorrerá em um futuro remoto, e concentremo-nos no que de fato devemos dar ênfase, que é a estiagem perversa que, como uma sina cruel, tanto maltrata o Nordeste brasileiro. Aliás, além da seca que castiga o indefeso e sofredor povo nordestino, tem ainda, a exploração política, levada a cabo pelos abutres traiçoeiros que praticam a cínica e nefasta politicagem.
O fenômeno da seca, como o Brasil inteiro é sabedor, já foi cantado em versos e prosas por Graciliano Ramos, em VIDAS SECAS; Rachel de Queiroz, em O QUINZE e muitos outros literatos. Patativa do Assaré, parceiro de Luís Gonzaga e autor da música TRISTE PARTIDA, a quem tive o prazer de visitar em sua residência na pequena Assaré, quatro meses antes de falecer – foi, creio eu, o seu expoente máximo.
Aliás, parafraseando alguns poetas, o caboclo sertanejo costuma repetir: “Entra ano e sai ano; entra década e sai década; entra século e sai século e o flagelo da seca continua!”. Ou ainda: “É a seca braba, meu irmão; seca perversa e danosa que nos rouba até a ilusão!”. E mais ainda: “É a seca que mata sem piedade a última plantação do sertanejo, e consigo ainda leva da esperança o seu último lampejo!”. 
Sobre os que partiram ou falam em partir, fugindo da seca perversa, como eu, muitos repetem: “Daqui não saio, daqui ninguém me tira! Se Deus quis que eu aqui nascesse, é por que quer que eu viva e morra também aqui!”. Na verdade, as afirmativas acima têm muito mais o condão de justificar o fato de não terem tido iniciativa ou coragem de enfrentar os riscos da aventura por terras desconhecidas.     
É lógico e natural que governantes e detentores de mandatos eletivos, apesar de terem como objetivo principal seus interesses pessoais, procurem, de algum jeito, iludir seus eleitores, oferecendo-lhes algumas facilidades e migalhas, ou simulando, de forma engenhosa e maquiavélica, de que lutam em defesa de seus representados. Afinal, a política no Brasil, não passa de uma fábrica de simulação e privilégios.  
Sabe-se que todos os entes federativos: municípios, estados e união, têm compromisso de investir em obras contra a seca e, para isso, têm sido destinadas vultosas somas de dinheiro. No entanto, é absurdamente aviltante a forma criminosa como são manipulados esses recursos. E, se nem água temos, como podemos ter esperança de, um dia, ver implantada a infraestrutura do ciclo completo do saneamento básico?!... 
Tomemos como exemplo a construção de poços artesianos. Em muitos casos, a localização não obedece a critérios técnicos, o que implica a inutilidade da obra e a perda da verba gasta. Em outros, não são cavados até a profundidade onde jazem as principais veias ou o lençol d’água. Deixa-se mais raso, rouba-se parte dos recursos e a obra, logo, fica também inútil. Dizem que, quarenta por cento dos poços estariam nestas condições.   
Em uma localidade onde moram parentes meus, estão lá todos os apetrechos necessários para abastecer as casas do lugar, porém, o poço não verte água. Revoltadas as pessoas dizem: “Quem cavou este poço foi uma firma lá de Imperatriz, chamada SOLOÁGUA!”. E dizem mais: “O pessoal que fez a perfuração nos garantiu que se cavassem mais vinte metros, jorraria bastante água, mas o contrato foi apenas de sessenta (...)!”.
Ora, esses poços resultam de recursos intermediados por políticos, e, pelo que estamos assistindo sobre a operação LAVA A JATO, fica impossível alguém acreditar que recursos destinados a obras contra a seca, também não tenham parte desviada para o bolso de alguém. Aliás, comenta-se por lá que, o menor projeto para poços, prevê a perfuração de CEM METROS. Logo, os de SESSENTA resultariam de fraudes.      
É lastimável que a atividade política, que deveria ter um caráter humanitário, isto é, existir para estimular o bem coletivo, tenha sido transformada na mais perfeita e rentável organização criminosa que existe em nosso País. Roubam-se descaradamente e os ladrões ainda tiram onda de bem feitores públicos e jactam de sua esperteza, enquanto pessoas morrem, porque a verba para o medicamento que podia salvá-las foi furtada.  
Não há dúvida de que se DEZ POR CENTO dos recursos que são roubados pelos políticos, por este Brasil afora, fossem investido em açudes, barragens, poços artesianos e cisternas, em poucas décadas teríamos resolvido o problema do abastecimento de água em todo o País. Mas, ao contrário, agrava-se a falta do precioso líquido e, na verdade, por absoluta falta de consciência dos que votam e vergonha dos que são votados.
Finalmente, foi triste o encontro com o nosso querido tio Miguel. Porém, mais triste ainda, foi nos despedirmos dele, diante da convicção de que não nos encontraríamos jamais. Também comovente foi o breve diálogo que mantive com a Maria do Zé, ou Maria Rosa de Macedo, que completou CEM ANOS em 31 de agosto de 2015.   
Após consultar a uma parenta dela, se podia reportar-me ao caso do namoro com o meu tio e receber sinal verde, proclamei:
– Amiga, minha mãe e eu nunca perdoamos o tio Manoel Moreira, por não ter se casado com você, mesmo contrariando à própria mãe. Afinal, ele nunca escondeu de quem quer que fosse – a admiração que nutriu por você, a vida inteira!   
Cega e ouvindo com dificuldade, porém, apertando firme minha mão interposta entre as suas e exibindo um sorriso que intuí ser de orgulho por ter sido namorada do mais ilustre jovem do lugarejo no início do século vinte, a resposta dela não somente comoveu-me, também me fez verter lágrimas:
– É! Ele foi o meu único namorado! Teve por mim todo respeito imaginável! Mas a mãe dele não aceitava (...). Eu era muito pobre! Embora pobreza não seja o maior defeito de uma pessoa. Existem muitos defeitos piores do que a pobreza!

O caso de amor entre Maria e Manoel, ocorreu há quase NOVENTA ANOS. Ela já ultrapassou a barreira dos CEM, mas sua beleza física e moral, o mesmo corpo esguio de quando era jovem, a firmeza de caráter, a lucidez e a coordenação de raciocínios lógicos são de fato, admiráveis. Infelizmente, o preconceito que havia naquela época entre pseudo-aristocráticos, contra famílias que não possuíam uma gleba de terra para morar e plantar sua roça, era muito forte e venceu as virtudes daquela extraordinária mulher.  

Creio eu, que dona Maria Rosa de Macedo, a Maria do Zé, que não se enamorou jamais de outro homem – preferindo permanecer solteira e sem ter filhos –, agiu assim em face de, na sua avaliação, jamais ter encontrado alguém que tivesse ao alcance de seu caráter, de sua estatura moral. Aliás, tenho dúvida de que o meu próprio tio, Manoel Moreira de Oliveira, única paixão de sua vida, fosse de fato merecedor do amor e da dedicação de tão bela e virtuosa mulher.

Imperatriz, 02 de setembro de 2015