terça-feira, 4 de dezembro de 2012


A CERTIFICAÇÃO EXTRACURRICULAR
                                                                                         Francimar Moreira


De vez em quando estouram, por este Brasil afora, denúncias de imperícias envolvendo as mais diversas áreas profissionais, principalmente engenharia e medicina. Da necessidade de haver um melhor preparo – tanto em nível técnico, quanto de conhecimento científico – nas diversas áreas de prestação de serviços, a maioria de nós, somente nos damos conta quando estão sendo denunciadas, em âmbito nacional, tragédias de grandes dimensões.
   
 Diante dos excepcionais avanços tecnológicos e científicos que nos apresentam constantemente os cientistas e pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento, parece evidente e crescente a necessidade de haver, cada vez mais, profissionais em níveis de excelência. Além do mais, deve ser delimitado um nível mínimo de conhecimento e habilidades para que alguém possa exercer o seu ofício. Até porque a enorme responsabilidade a que estão submetidos alguns profissionais é tamanha que requer, além de aptidão, absoluta autoconfiança.
 
É natural que o progresso tecnológico e científico que temos acumulado, aliado às conquistas no campo da legislação, imponha a necessidade de que – até para assegurar legitimidade funcional a eventuais acusados – cada profissional tenha uma certificação extracurricular. Neste caso, o exame e aprovação do profissional seriam da competência de uma Instituição altamente qualificada e moralmente conceituada, em cujas decisões não vicejassem o apadrinhamento e o tráfico de influência. Essa necessidade tem se acentuado nos últimos anos, visto que, estão sempre surgindo novas leis que asseguram direitos e atribuem deveres nas relações de negócios e serviços.

E não estou defendendo algo inusitado! Tanto é verdade que já existe a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que impõe aos graduados em direito a aprovação no chamado “Exame de Ordem”, como requisito prévio ao exercício da profissão de advogado. Certamente, também não estou pretendendo que se institua algo parecido com a OAB, pois, em rigor, essa Entidade é, de fato, uma organização classista, e não condiz com os princípios da legitimidade, da justiça e da equidade conferir-lhe a prerrogativa de selecionar os que devem exercer a advocacia.

 Ora, um erro de cálculo de um engenheiro pode causar uma tragédia de enormes proporções; é só pensar num edifício onde residam ou trabalhem milhares de pessoas. Um equívoco de um médico pode custar uma preciosa vida e gerar terríveis consequências. Por isso mesmo, as responsabilidades profissionais de engenheiros e médicos submetem esses profissionais a uma permanente pressão da expectativa de trabalhadores, futuros usuários e clientes, em torno dos limites e do alcance de suas competências.

Ademais, todos os ofícios exigem, de quem tem a pretensão de exercê-los, competência, desenvoltura e autoconfiança compatíveis com o grau de responsabilidade próprio de cada um. Logo, evidencia-se incoerente a exigência de avaliação exclusivamente para o operador do direito e, pior, executada por uma entidade da própria categoria. Deveria, sim, ser obrigatória para todas as categorias profissionais e realizadas por um órgão independente das instituições de ensino e das corporações classistas.   

Ah, mas a Constituição Federal privilegiou os advogados, atribuindo-lhes a condição de categoria especial!... Então é aí que reside e está sendo regada a raiz da contradição! Precisamos, pois, mudar a nossa Constituição. Aliás, há anos defendo a convocação de uma Assembléia Constituinte exclusiva, pois não me parece ser de todo um despautério comparar o zelo que políticos carreiristas dedicariam à edificação de um Código de Leis, especialmente da dimensão de uma Carta Magna, com o cuidado que teriam as raposas na vedação de um galinheiro, cuja construção lhes viesse a ser confiada.

Aliás, na Constituição está expresso: “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. É estranho, portanto, que se permita que normas constitucionais sejam violadas com o exclusivo escopo de permitir que uma entidade de classe certifique quem pode ostentar o título de advogado e exercer o seu trabalho.  

É, ainda, profundamente injusto o fato de o operador do direito ser obrigado a integrar a “Ordem”, submetendo-se a um exame caro e contestado por milhares de bacharéis e mesmo por advogados. E, pior, tendo de pagar, também, uma cara anuidade vitalícia, quando na própria Carta Magna também está expresso: “Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.

Dessa forma, a Constituição do Brasil está sendo triplamente agredida: primeiro, quando se obsta o trabalho profissional; segundo, quando se impõe a uma avaliação extracurricular; e terceiro, quando se obriga a se inscrever e permanecer inscrito na Ordem!... Argumentos em defesa da tolerância com outros ofícios e do privilégio à Ordem dos Advogados têm origem em falsas premissas e não podem encontrar respaldo no campo da racionalidade.

Certamente, não é o que pensam alguns que, uma vez aprovados no “Exame de Ordem”, fazem da dificuldade para enfrentá-lo – e do fato de terem sido, por alguma razão, vencedores – motivo de orgulho intelectual e moral. Esses, guiados por seus próprios padrões, vão jactar-se e defender a tal avaliação a vida inteira. E Freud, certamente, diria que isso tem tudo a ver com a fragilidade e as contradições humanas, resultantes de um atávico condicionamento dos tempos das cavernas.  

A atribuição de avaliar o aprendizado e promover a certificação extracurricular dos aprovados tem de ser tarefa da República Federativa do Brasil, através do Ministério da Educação ou, quem sabe, de um “Conselho Superior de Habilitação Extracurricular”, após promulgação de lei pertinente ao assunto. Delegar a uma ou a todas as categorias profissionais o direito de estabelecer, de per si, os critérios da própria certificação seria, no mínimo, defender a balbúrdia normativa e suas nefastas consequências. Aliás, o correto seria avaliar os estudantes ao final de cada etapa do ensino – primeiro, segundo, e terceiro grau – e só passar para a fase seguinte, ou ser habilitado em algum ofício, aqueles devidamente aprovados.   
 
Sabe-se que a OAB tem sido alvo de muitas críticas e reclamações; acusam-na de cobrar taxas exorbitantes, tanto na inscrição para o Exame, quanto na anuidade do advogado. E mais: que representaria interesse corporativo e que arrecadaria mais de CEM MILHÕES DE REAIS por mês, com inscrições e taxas. Sabe-se, a propósito, que todo Ordenamento Jurídico visa a disciplinar a vida em sociedade de forma que não impere a lei do mais forte... É, portanto, paradoxal, que a OAB tenha se transformado – na visão de estudantes e bacharéis em direito – em um temível e constrangedor monstrengo!   

 Ora, se legítimo é o que está em conformidade com a razão e a natureza dos fatos e das coisas; se justo é o que se processa, conforme a moral e o princípio isonômico, então admitir que apenas uma categoria profissional careça de certificação extracurricular para exercer o seu ofício constitui, de fato, uma inversão dos princípios que sustentam os conceitos de legitimidade, justiça e igualdade. E, mais ainda, significa estar em flagrante discordância com tudo o que inspirou a libertadora revolução francesa – notadamente os ideais iluministas.

A OAB é muito importante no contexto sociojurídico brasileiro, porém, como instrumento de organização de uma classe e sua legítima mobilizadora a uma permanente vigilância, a fim de que prevaleçam neste País, os atos que se processem dentro dos parâmetros de seu ordenamento jurídico, e não como detentora da prerrogativa de certificar os profissionais do direito. Disseram que não se deve brigar com os problemas. Deve-se brigar, sim! Sobretudo, quando se interpõem em nossas vidas, como empecilhos à realização de nossas justas aspirações.

Do acima proclamado, infere-se que os obstáculos devem ser firmemente enfrentados e, com a força da coragem moral, demolidos. Assim sendo, a prerrogativa que detém a Ordem dos Advogados, bem como a omissão ou desleixo do Estado Brasileiro em relação às demais categorias profissionais, encaixam-se, deveras, no rol do que deve ser combatido de forma sistemática e com a mais absoluta firmeza.

E não se tenha dúvida: assim como a ausência de virtudes cria o ambiente psicossocial propício para a proliferação da desordem e ilícitos, a presença delas faz florescer a profícua lucidez e gestos sublimes. Logo, no dia em que, movido à consciência e guiado pela razão, o povo eleger uma maioria de deputados e senadores dotados das virtudes necessárias para honrar o mandato, haveremos de ver triunfar a coerência e serem erradicados, do conjunto de normas deste País, vieses absolutamente contraditórios.                             

              A QUESTÃO DA VIOLÊNCIA
                                               Francimar Moreira


A violência – tema que abordei dezenas de vezes no exercício do mandato de vereador (1983 a 1988), sempre alertando que seria uma chaga crescente, além de ser assunto a que também venho me reportando frequentemente, em artigos publicados no jornal O PROGRESSO – volta a assustar e estimular autoridades e setores organizados de Imperatriz a se reunirem para, conforme manifestação dos participantes, discutirem sobre suas causas e encaminhamento de sugestões de como coibi-la.
 Já participei de algumas dessas entediantes reuniões. Aborrecia-me, sobremaneira, o fato de os debatedores ficarem o tempo todo discutindo os reflexos adjacentes, periféricos. Ou, ainda, divagando sobre os seus malefícios menores, já que, das suas verdadeiras causas e da dimensão dos danos que provoca, fugia-se sempre, como, aliás, foge-se até hoje, tudo fazendo-nos crer que esse capítulo foi transformado, pelos que detêm poderes para tanto – em território proibido.    
A mais polêmica dessas reuniões, da qual participei como vereador, ocorreu em 1985 ou 1986. Foi idealizada pela OAB e estava presente o governador do Estado, Luís Coelho Rocha. Creio ter sido nesse encontro em que também se encontrava o jurista Márcio Tomaz Bastos. Era uma época em que a pistolagem corria à solta ou, como se dizia no jargão popular: “Todo dia matava-se um e deixava-se outro amarrado para morrer no dia seguinte!”. O encontro se deu no auditório do INPS, na Rua Simplício Moreira, e as polícias civil e militar de Imperatriz foram mobilizadas para proteger os participantes.
Fui àquele conclave em companhia de meu amigo e advogado Carlindo Carvalho do Rego, que, usando da palavra, bateu forte nos poderes constituídos. Nunca esqueci sua frase lapidar, proferida quando saíamos do local onde se deu o evento: “Até parece uma colônia de cracas! Ficam todos, o tempo todo, somente roendo a casca do madeiro, sem, no entanto, ter força ou coragem moral para penetrar o âmago!”.
Como teve coragem, pelo discurso, e razão, pela frase memorável, o meu velho amigo!...

Hoje, quase 30 anos depois, a ladainha é a mesma. E, apesar de tanto se falar que o mundo melhorou e que o Brasil tem experimentado enormes avanços no campo social e econômico, não se pode negar que o atraso político e sociocultural a que está submetido o Maranhão nos mantém arengando no mesmo nível de 30 anos atrás, pelo menos no que concerne à problemática da violência. Repete-se o mesmo velho e surrado discurso:
– Faltam policiais, delegados, viaturas, delegacias, promotores, juízes, presídios!...

Quanto equívoco!... Quanta enganação!... Como o ser humano gosta de enganar, às vezes, até a si mesmo. Na verdade, até sociólogos de botequim sabem que a violência que impera entre nós deriva, principalmente, de três causas. A primeira, uma pobreza crônica, tanto material como educacional. A segunda, a ausência de valores morais, que, é bom ser dito, resulta, em boa parte, dos exemplos nefastos que “celebridades” e autoridades, das mais diversas instituições praticam e são noticiados diariamente. A terceira, a incapacidade material, jurídica e moral do Estado Brasileiro para punir os seus delinquentes.

Ah, mais existem estudos “provando” que pobreza não é, por si só, fonte de violência!  – diria um ingênuo ou defensor da concentração de renda. Trata-se de uma falsa conclusão que somente pode ser atribuída a quem raciocinou escudado em também falsas premissas. É possível, ainda, que resulte de um trabalho sob encomenda dos perversos, com o objetivo de amainar suas culpas. Afinal, a ausência das condições mínimas à manutenção da vida já é, em si mesma, uma brutal violência!... 

Além do mais a tese em que se apegam os responsáveis pela miséria e sofrimento de bilhões de pessoas, em todo o mundo, para justificar suas posições reacionárias, resulta de levantamentos realizados em comunidades paupérrimas, que viviam ou vivem sob os auspícios de dogmas religiosos. Nesses casos a ilusão de que o sofrimento e a pobreza lhes trazem prioridade no reino do céu – onde seriam recompensadas por uma vida eterna cheia de glórias –, faz com que muitas pessoas sejam, sim, induzidas a renunciar à ideia de uma vida confortável...       

Hoje, entretanto, o povo começa a ter consciência de que os que lhe pregam e exigem resignação se aproveitam de sua ingenuidade e força de trabalho para construir seus paraísos aqui na Terra mesmo... Sabe ainda que, se submetessem as quase 5600 prefeituras do Brasil a auditorias, realizadas de forma correta, em poucas delas não seriam encontrados ilícitos que levariam seus respectivos prefeitos e a maioria do secretariado para a cadeia, caso a lei fosse cumprida.   

O mesmo raciocínio vale para todo e qualquer órgão público deste País cuja direção esteja sob a orientação político-partidária. Em assim sendo, é fácil concluir que, se resolverem colocar na cadeia os delinquentes, serão necessários tantos policiais, guardas penitenciários, delegados, escrivães, promotores, juízes, presídios... que a minoria que ficasse fora do serviço público e da cadeia, condenada, portanto, a trabalhar para sustentar a máquina estatal e produzir alimento para prisioneiros, agentes públicos e outros, logo, se rebelaria, entraria em greve e todos nós morreríamos de fome por falta de alimento. 

Diante desse quadro dantesco, aos políticos, resta continuar fingindo preocupação, tapear o povo com futilidades e conversa fiada, fazer de adversários, aliados ocasionais, por meio da corrupção, e empurrar as complexas questões que nos afligem para o dia de São Nunca. No antigo Egito e na civilizada Europa, o “pau” começou a quebrar; e como a utopia socialista, que seria a “salvação” das massas, foi postergada, o pretexto próximo será outro. Entretanto, os meios empregados serão os mesmos e a finalidade será a de sempre: uma sociedade justa, na qual ladrões dos cofres públicos tenham os bens confiscados e sejam punidos com rigor.

O diabo é que somente ensinaram nossos ancestrais a temer a fúria dos céus e os caldeirões dos infernos, e se esqueceram de alertá-los sobre a ira das massas enfurecidas. Por conseguinte, não herdamos os condicionamentos necessários para temer, também, as consequências da fúria popular. É por isso que se estimula o aumento de contingentes populacionais, através dos meios de difusão em geral, e depois o abandonamos em estado de miséria crônica, vivendo piores do que ratos, na mais absoluta e pungente degradação da espécie animal.  

Ora, foi divulgado várias vezes, durante o ano de 2011, que o Maranhão tem quase 15% de sua população vegetando no mais absoluto nível de pobreza, chegando, inclusive, a níveis que às vezes ultrapassa as mais famintas republiquetas africanas. A pergunta que precisa ser respondida é a seguinte: – Para quem vegeta, em condições tão animalescas, faz diferença estar preso ou em liberdade? Ou, ainda, matar ou morrer?!...

Atente-se para essa grave contradição: quase um milhão de maranhenses passa fome, enquanto os meios de comunicação, de forma perversa e obscena, estimulam o consumo, exibem riqueza, luxo, muita roubalheira aos cofres do Erário, além de uma classe política que desfruta um permanente deleite à custa do contribuinte. Pretender-se harmonia e paz social, diante de tantas aberrações, apenas aumentando o aparato policial e o número de presos, é a mesma coisa que pretender apagar incêndio usando nos extintores um produto inflamável!...

De profeta, não tenho absolutamente nada! Mas a miséria e a violência no Maranhão somente começarão a declinar, após, pelo menos, dez anos de governos competentes e comprometidos com as futuras gerações. E somente competência e compromisso não bastam, é preciso, também, punições mais rigorosas para delinquentes, principalmente ladrões dos cofres públicos, além de honestidade e ações rigorosas dos Poderes constituídos.

É preciso, ainda, por exemplo, acabar com as filigranas jurídicas que permitem a grandes ladrões se safarem da cadeia!... E também não permitir que sócios e amigos do rei deixem de pagar seus impostos!... Enquanto uns poucos gozarem de tais regalias, que, em última análise, significam estúpidas e aviltantes violências praticadas pelo estado contra a esmagadora maioria do povo, alguns segmentos sociais haverão de responder com mais pobreza e violência crescente.


                                Imperatriz, 25 de fevereiro de 2012.    

 
   

MIOPIA E DEMAGOGIA
                                  Francimar Moreira


Foi aprovado, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, um projeto que reduz a jornada de trabalho no Brasil para quarenta horas semanais. Considerando-se o que vem ocorrendo em todo o mundo, em matéria de desequilíbrios nos orçamentos oficiais, tal medida pode ser altamente prejudicial ao nosso desenvolvimento. Sobretudo porque ainda somos um País em desenvolvimento e com enorme carência de mão de obra qualificada – fatos que nos aconselham o aproveitamento máximo da força de trabalho de que dispomos.

Ora, os países que têm batido recordes em desenvolvimento o fizeram investindo, prioritariamente, em educação, pesquisas e trabalhando duro. E quem tem conhecimento disso, não pode concordar com tamanha contradição, ou tão absurda iniciativa. Sobretudo porque somos um País ainda em construção, onde faltam estradas, viadutos, hospitais, moradias, serviços de esgotos, água encanada e tantas outras coisas que, para construí-las, faz-se necessário maximizar o aproveitamento da força de trabalho que dispomos.  

Como se sabe, o objetivo dos que apoiam tal proposta é, tão somente, flertar com a classe operária. Por isso, espera-se que prevaleça, na hora da decisão final, a lucidez dos que votam com o bom senso e a razão, e não a demagogia vulgar e o interesse meramente eleitoreiro. Até porque, não é difícil adivinhar o que ocorrerá, caso o descanso semanal comece sexta-feira: as farras serão muito mais longas, o consumo de bebidas alcoólicas maior, o número de acidentes no trânsito aumentará muito, a despesa com os acidentados crescerá enormemente. Enfim, é uma ideia extravagante.    

As pessoas dotadas de raciocínio lógico e isentas estão cansadas de saber que as desigualdades sociais, o infortúnio da classe operária e nossas principais mazelas nada têm a ver com a carga horária oficial adotada no Brasil. Mas provêm de um conjunto de fatores e artifícios, criados e sustentados pelas elites dominantes, que lhes garantem o poder de manipulação de tudo e de todos. Têm, inclusive, absoluta clareza de que o caminho para a melhoria da qualidade de vida não é nem será jamais, a simplória redução da jornada de trabalho. Sobretudo, sabem que é falsa a ideia de que o operariado se beneficia com a redução da carga horária.      

Ao contrário dos que aprovaram tal projeto, penso que, num País novo e ainda atrasado como o Brasil, onde falta muito para ser construído, o caminho inverso, ou seja, o estabelecimento de um pacto pelo fim dos feriados e feriadões seria uma medida muito mais sensata e profícua. Desde que, é claro, o aumento de horas trabalhadas e da produção resultasse também em ampliação da massa salarial e outros benefícios para a classe trabalhadora. É isso, sim, o que me parece ajustar-se melhor à nossa realidade econômica e sociocultural.  

É difícil acreditar que alguém possa estar falando sério quando propõe tornar melhor a vida do trabalhador e do povo brasileiro através de uma medida que, simplesmente, reduza trabalho e esforço! É impossível não desconfiar de que estejam blefando, de que tudo não passe de encenação! Principalmente porque não se concebe que cheguem ao Congresso Nacional pessoas desprovidas de conhecimento, a ponto de não saberem que a redução da jornada de trabalho implica, necessariamente, em aumento de custo da produção, o que será, é lógico, repassado aos consumidores e, como todos sabem, os trabalhadores constituem o maior grupo de consumidores do Brasil.

Mas a redução da carga horária não implica, somente, o encarecimento dos custos de produção, o que, por si só, já seria motivo para detidas avaliações. Existe, ainda, o fato de que onera os produtos destinados à exportação, o que é muito relevante, principalmente, no que se refere à política de geração de emprego e renda. É lógico que a elevação de custos torna o País menos competitivo no mercado internacional e já se sabe quais são as conseqüências. E não é de bom alvitre deixar de prestar atenção no que vem acontecendo num país chamado China, onde um modelo político centrado na força concede uma relativa liberdade empreendedora, e vem surpreendendo em crescimento econômico.     

Se não quisermos acreditar que o hábito de fingir, mentir e recorrer à demagogia, que os políticos praticam trivialmente, acabe se incorporando à personalidade deles e contribuindo para ofuscar a mais nítida verdade que se lhes apresenta diante dos olhos ou da consciência, que pelo menos se reconheça que a opção que fazem por assim proceder resulta do fato de saberem que o povo deseja, inconscientemente, que lhe enganem sempre. Afinal, a verdade pode causar uma dor repentina e aguda, enquanto a enganação se vai percebendo aos poucos e, também lentamente, se vai dissipando o seu impacto negativo.  

Creio que se saísse por aí um pesquisador perguntando a qualquer trabalhador:
– Você gostaria que sua carga horária semanal fosse reduzida para quarenta horas, mesmo sabendo que as quatro horas que outro vai trabalhar em seu lugar serão pagas por você, através de aumento de preços dos produtos que você vai consumir?... A resposta seria um retumbante “Não”. Isso, excetuando-se a informação sobre os riscos à competitividade externa e, por consequência, à manutenção do próprio emprego.

Existem, ainda, outras vertentes da causa trabalhista e social que precisam ser consideradas com isenção: primeira, o trabalho deve ser visto como um direito pessoal e um dever para com a sociedade e o estado; segunda, é preciso desmistificar a ideia de que trabalhar é algo muito penoso, motivo de um eterno proselitismo em nome da classe trabalhadora, por seus pseudodefensores; terceira, está faltando trabalhadores (qualificados ou não), ajudantes, carpinteiros, pedreiros, operadores diversos, engenheiros, médicos, cientistas e outros, e para suprir essa carência só existe uma solução, em curto prazo: maximizar o aproveitamento da força de trabalho de que dispomos 

Na verdade, trabalhar é uma necessidade física e psíquica, além de financeira, é lógico. E, ao invés de estarem propondo a diminuição da carga horária, deviam flexibilizar o contrato de trabalho, criando oportunidades mais flexíveis, a contratantes e contratados, de comprarem ou venderem as horas de trabalho de que precisam ou dispõem. Também seria-bem vinda uma compensação para os estudantes que sejam obrigados a trabalhar. Não à custa do empregador, é natural, mas através de bônus do Tesouro ou de desconto em tributos a serem pagos. Afinal, é flagrante a necessidade de um operariado mais bem qualificado – e o caminho é a sala de aula.

E mais: o consumo de bebidas alcoólicas está virando uma epidemia. Bebe-se para fugir do ócio, bebe-se porque faz parte, bebe-se porque virou moda, bebe-se porque outros bebem, bebe-se por dependência... Enfim, consome-se droga como se fosse uma necessidade para a sobrevivência... Sabe-se, inclusive, que o alcoolismo e o consumo de outras drogas estão se transformando em um sério problema de saúde pública que pode se agravar!...

Assim sendo, a ideia de liberar a moçada na sexta-feira significa um final de semana mais longo e, um maior consumo de drogas. O que afetaria a produção e o desenvolvimento, além de contribuir para encher os hospitais de alcoólatras e acidentados. Seria muito bom se todos tivessem consciência sobre de onde saem os recursos para a saúde pública! Assim, talvez, o fingir-se de míope não rendesse tanto sucesso e a demagogia dos politiqueiros não fosse vista como prenúncio de benefícios às massas inconseqüentes.   


Imperatriz, 25 de julho de 2010